Bianco su Bianco | Cia Finzi Pasca

Foto: Viviana Cangialosi

Os pedaços de porcelana no chão, os leitos dos hospitais, os azulejos do banheiro da casa da minha avó, a mesa de mármore do açougue, o lenço que meu pai acenava quando partíamos, o teu sorriso, o jardim submerso após uma tempestade de neve, certos silêncios, o gesso e as bandagens em volta da minha perna quebrada, nuvens, o nome da professora escrito no quadro-negro, o vestido de casamento da minha prima, um copo de leite, as páginas do caderno no primeiro dia de escola, o avental da enfermeira, uma flor, uma concha, um cavalo, a espuma que enche a banheira, as pílulas para dormir, o pó que cobre o rosto de nós clowns, as histórias que fazem passar o medo do escuro.

Ao longo dos últimos anos é como se os nossos espetáculos  fossem alimentados com a linguagem dos sonhos. Desta vez, não fecharemos os olhos para sermos transportados por  possíveis viagens internas; desta vez, ficaremos sem dormir com por uma noite inteira, uma noite  em claro. Não serão sonhos, mas pequenas alucinações, modos de trazer o vermelho e o negro que se escondem atrás da imaginação branca de nós, clowns.

Gotas de sangue sobre a porcelana do chão, traços de sangue nas bordas do leito do hospital, um pedaço de fígado na mesa de mármore do açougue, o lenço que desaparece no bolso das calças escuras de papai, seu sorriso desdentado, o tapete esquecido no jardim na noite da tempestade de neve, algumas das suas serenatas, um beijo impresso no gesso do minha perna quebrada, nuvens no pôr do sol, o nome apagado do quadro negro, a rosa entre as mãos da noiva… as histórias que fazem passar o medo do escuro.

Para que o branco possa capturar sua luminosidade precisa, nós, clowns, o contrastamos com o negro do pó de carvão e pinceladas de vermelho que talvez façam alusão a respingos de sangue. Para que o branco possa explodir, nós, clowns, usamos como detonadores o vermelho e o preto. Com essas duas cores, enquadramos nosso imaginário branco.

Helena e Goos se movem com leveza e extrema destreza em cena. Usam com elegância minuciosos detalhes para construir situações tragicômicas. Com eles  construímos um espetáculo que, apesar da simplicidade e essencialidade da maquinaria do palco, recupera a nossa forma de contar histórias sempre em equilíbrio entre um absurdo doce e nostálgico, um mundo surreal, ferozmente sereno, um teatro que reflete sobre si mesmo, onde os atores usam o proscênio para dialogar com o público, onde a ilusão e os artifícios são sempre revelados, onde se ri e se comove, onde os clowns não incarnam a estupidez mas a fragilidade dos heróis perdedores.

A nossa clowneria é branca como a farinha para fazer pão, branca como o carvão que sobra quando as brasas se apagam, branca como os joelhos ralados quando caímos de bicicleta.

A nossa clowneria é “branco sobre branco” como são os anjos de Corteo, como o lampadário de gelo que derretia em Donka, como o armário através do qual se escapava em Icaro, como a bola atrás da qual, debaixo da chuva, todos corriam no final de Rain, como a luz contra de Nebbia, como as balas de menta em La Veritá.

Quando eu era pequeno meu tio me transmitiu a paixão pela montanha e a montanha me transmitiu a paixão pelo desafio, desafios pequenos, aqueles que afrontamos passo a passo, apoiando-nos e forçando os próprios músculos, forçando a leveza da respiração. O tio que me levou pela primeira vez na vida a uma montanha se chama Bianco e era Pulcinella, era Pierrot, e meu pai ao mesmo tempo. Bianco me levou para tocar as nuvens escalando a minha primeira geleira.

Achavam que branco era uma cor especial, depois compreenderam que o branco é a soma de tudo, pureza para alguns, luto para outros, insuportável ordem para outros ainda, bandeira que levantamos propondo paz para quase todos.

Branco é o que vejo quando olho para fora dos meus olhos nesta noite onde não consigo dormir, Bianco é o perfume que veio antes de mim, Bianco são os pensamentos que ocupam os espaços entre uma palavra e outra.

Nesses espaços nós, clowns, vamos procurar cogumelos; unindo esses espaços, nós, clowns, construímos esse espetáculo.

Daniele Finzi Pasca

Bianco su Bianco

Ficha artística:

Autor, diretor, co-criador do desenho de luz, das coreografias e da Floresta de Vagalumes DanieleFinzi Pasca

Intérpretes Helena Bittencourt e Goos Meeuwsen

Diretora de criação e produção Julie Hamelin Finzi

Compositora, concepção sonora e co-criadora das coreografias Maria Bonzanigo

Cenógrafo, aderecista e co-criador da Floresta de Vagalumes Hugo Gargiulo

Diretor de produção Antonio Vergamini

Figurinista Giovanna Buzzi

Iluminador e co-criador da  Floresta de Vagalumes Alexis Bowles

Co-criador da Floresta de Vagalumes Roberto Vitalini bashiba.com

Assistente de direção Geneviève Dupéré

Maquiadora e coordenadora do projeto Chiqui Barbé

Diretor técnico de turnê Marzio Picchetti

Apoio Caffè Chicco d’Oro, Cornercard e Grand Hotel Villa Castagnola

Co-produção Teatro Sociale Bellinzona, La Maison de la Culture de Nevers e de Nièvre,

L’Odyssée – Cena Convencionada de Périgueux, Cidade de Lugano, Cantão do Tessino, ProHelvetia e Ernst Ghöner Stiftung

Produção e agenciamento no Brasil Performas Produções

Direção de produção Andrea Caruso Saturnino e Beatriz Sayad

Produção executiva Ariane Cuminale