Seuls – Wajdi Mouawad


Foto: Thibaut Baron

Nesse solo, Wajdi Mouawad mantém a intuição de que é hora de questionar o que acontece com sua língua materna quando tudo começa a funcionar em outro idioma – um idioma aprendido, monstruosamente adquirido. Na pele de Harwan, um estudante de Montreal prestes a defender sua tese, encontra-se preso numa das salas do Museu Hermitage, em São Petersburgo, onde faz questionamentos sobre o significado da vida, raízes, valores e cultura.

Como fazer quando, para voltar a ser o que era, é preciso tornar-se outra pessoa? Essa questão estranha está intimamente ligada ao corpo, à voz e ao ser. Não poderia, então, ser outro ator a ser testemunhado pelo autor-diretor senão o próprio autor-diretor. Assim, o multi-artista franco-libanês assume a tripla missão misturando elementos autobiográficos e sua admiração por Robert Lepage em uma peça de sua completa autoria.


Foto: Thibaut Baron

“Não é o frio do inverno nem a falta de luz. Não é nem mesmo a sombra da morte que espreita, ainda menos a consciência de uma catástrofe. Não há, aliás, nem mesmo uma consciência. Não há nada. Uma forma letárgica de indiferença. É imperceptível. Basta pouco. Um desvio de um grau e as coisas perdem seu sabor. Por que levantar-se se é preciso deitar-se novamente e por que comer se é para voltar a ter fome e recomeçar a comer e cair incessantemente de um gesto para outro, eterna repetição.
Não é nada. Um tremor. Alguém. Poderia ser qualquer um e é isso que dói. E é como para qualquer um que, despertando toda manhã e olhando-se no espelho, pensa: “poderia ser qualquer um”. E a vida, como um enigma, feliz ou infeliz, a vida atolada num tempo demasiado linear, como uma flecha. Poderia ser qualquer um. Poderia chamar-se de qualquer jeito. É o que ele acha, pelo menos, quando lhe pedem o nome: “como você se chama?”
– Eu me chamo Harwan, mas não tem importância, eu poderia me chamar qualquer coisa, como qualquer um. É assim.
Não é nada.
Harwan, um estudante de Montreal com cerca de trinta anos, prestes a defender sua tese, se encontra, após uma série de acontecimentos profundamente banais, preso uma noite numa das salas do Museu Hermitage em São Petersburgo. A noite será longa. Durará mais de dois mil anos e o levará, sem que possa suspeitar por um segundo, à cabeceira de sua língua materna, esquecida há muito sob as camadas profundas de tudo o que há de múltiplo nele.
Eu me chamo Harwan”.

Wajdi Mouawad

Sobre Wajdi Mouawad
Nascido em outubro de 1968, Wajdi Mouawad passa a infância no Líbano e a adolescência na França antes de se estabelecer no Québec onde, formado pela Escola Nacional de Teatro do Canadá em 1991, empreende uma carreira quádrupla como ator, diretor, autor e diretor artístico. Interpreta papéis em vários de seus próprios espetáculos, mas também sob a direção de outros artistas como Brigitte Haentjens em “Calígula”, de Albert Camus (1993), Dominic Champagne em “Cabaret des Neiges noires” (1992), Daniel Roussel em “As Cadeiras”, de Eugène Ionesco (1992) e Stanislas Nordey, interpretando Stepan Fedorov em “Os Justos”, de Albert Camus (2010). Premiado com inúmeras honrarias, incluindo o Prêmio do Governador-geral em 2000 por “Littoral”, é nomeado Cavaleiro da Ordem Nacional das Artes e Letras em 2002 e depois Artista da Paz em 2006 pela organização epônima, e três anos mais tarde pela Ordem do Canadá, além de receber um Doutorado Honoris Causa da Escola Normal Superior de Letras e Ciências Humanas de Lyon e do Grande Prêmio do Teatro concedido pela Academia Francesa. Suas peças foram traduzidas em mais de quinze idiomas e apresentadas em todas as regiões do mundo, em países como Grã-Bretanha, Alemanha, Itália, Espanha, Japão, México, Austrália, Estados Unidos e Brasil. Cofundador, com a atriz Isabelle Leblanc, de sua primeira companhia, o Théâtre Ô Parleur, diretor artístico do Théâtre de Quat’Sous em Montreal de 2000 a 2004, cria no ano seguinte as companhias Au Carré de l’Hypoténuse, em Paris, e Abé Carré Cé Carré, em Montreal. De 2007 a 2012, integra o Centro Nacional das Artes como diretor artístico do Théâtre Français. Em 2009, como artista associado da 63ª edição do Festival de Avignon, cria o quarteto Le Sang des Promesses, composto por “Littoral”, “Incendies”, “Forêts” e “Ciels”. É associado ao Grand T, teatro de Loire-Atlantique, e reside na França.

Ficha técnica:
Texto, direção e atuação: Wajdi Mouawad
Dramaturgia, escritura de tese: Charlotte Farcet
Conselho artístico: François Ismert
Assistência de direção: Irène Afker
Cenografia: Emmanuel Clolus
Iluminação: Eric Champoux
Figurinos: Isabelle Larivière
Direção sonora: Michel Maurer
Música original: Michael Jon Fink
Direção de vídeo: Dominique Daviet
Acompanhamento artístico em turnê: Alain Roy
Direção de palco: Eric Morel
Técnico de som: Olivier Renet
Técnico de luz: Eric Le Brec’h e Annabelle Courtaud
Técnico de vídeo: Olivier Petitgas
Vozes:
Layla Nayla Mouawad
Professor (Rusenski Michel Maurer)
A livreira (Isabelle Larivière)
Robert Lepage (Robert Lepage)
O Pai Abdo (Mouawad)
O Médico Eric (Champoux)
Músicas adicionais:
Al Gondol Mohamed (Abd-Em-Wahab)
Habaytak (Fayrouz)
Una furtiva lacrima (de Donizetti por Caruso)
Texto adicional:
O retorno do filho pródigo, Lucas 15-21 – tirado da tradução da Bílbia de Jerusalém
Construção do cenário: François Corbal, Eric Terrien, Yann Malik, Sébastien Grangereau e Benjamin Leroy
Direção geral Au Carré de l’Hypoténuse: Arnaud Antolinos
Direção de produção Abé Carré Cé Carré: Maryse Beauchesne
Assistente de produção: Mariane Lamarre
Direção técnica: Pierre-Yves Chouins
Secretária geral: Marie Bey
Imprensa: Dorothée Duplan

Produção e agenciamento no Brasil: Performas Produções
Direção de produção: Andrea Caruso Saturnino
Produção executiva: Ariane Cuminale e Beatriz Sayad
Direção técnica: André Boll e Raquel Balakian
Técnico de palco: Jonas Tristão
Cenotécnicos: Beto Gomes, Marcelo Bessa, Patrícia Savoy e Willians Santos dos Reis
Tradução e legendagem: Célio Faria e Hugo Casarini